Doechii: por que mordidas de jacaré nunca se curam?
- Mikaely Pedroso
- 28 de jan.
- 5 min de leitura
Nascida em Tampa, Flórida, a autoproclamada “Princesa do Pântano”, Jaylah Ji’mya Hickmon, é considerada uma nova artista em ascensão por suas performances, letras e estética marcante. A rapper está atualmente na gravadora Top Dawg Entertainment (TDE), conhecida por trabalhos com Kendrick Lamar e SZA.
Doechii produziu seu primeiro trabalho de forma independente em 2016 e ganhou notoriedade na mídia com o EP Oh the Places You’ll Go, seguido de hits como Persuasive e What It Is, sua primeira música a entrar na parada da Billboard. Acompanhada de um visual marcante e uma autenticidade característica, é possível afirmar através das recentes apresentações da artista que sua estética musical atrelada a uma teatralidade humorística são dois dos inúmeros pontos fortes de Jaylah.

No último Camp Flog Gnaw, festival de música criado pelo rapper Tyler, The Creator, a artista de Tampa transformou o Camp Stage em um verdadeiro pântano da Flórida. Acompanhada de sua fada madrinha, a Dj Miss Milan, Doechii convidou SZA para performar o remix de Persuasive, sendo aclamada pela cantora de R&B: “Eu a amo tanto! Doechii é o futuro, o presente, tudo!”
A segunda aparição de Doechii no festival foi na apresentação de Balloon, faixa do álbum Chromakopia, de Tyler The Creator, quando Doechii demonstrou mais uma vez dominar a habilidade de mesclar estilos e emoções em suas performances.
Dias após cancelar o que seria seu primeiro show no Brasil, a artista participou do The Late Show With Stephen Colbert, em que performou duas faixas do trabalho mais recente da artista. Com movimentos precisos, Doechii e suas duas dançarinas brilharam para além da música e chamaram atenção de toda a internet pelas tranças que a rapper usou durante a apresentação. Malcolm Marquez, cabeleireiro responsável por dar vida à ideia de Doechii durante a performance, se pronunciou sobre o penteado para a ESSENCE, revista de moda, estilo e beleza.
“A conectividade era um tema que queríamos explorar — como o cabelo (especificamente as tranças) nos conecta uns aos outros, mas também como o cabelo nos conecta a nós mesmos [...] O som dela é sobre prestar respeito a artistas clássicos do hip hop, como MF DOOM [...] As tranças conectadas eram realmente uma forma de honrar a ancestralidade de nós como pessoas, mas também artistas.”
No dia 6 de dezembro, em companhia de uma banda própria, o show no Tiny Desk fez com que Doechii vislumbrasse ainda mais o público, somando mais de 8 milhões de visualizações no YouTube até o momento. Embora o rap seja o centro de seus trabalhos mais recentes, Doechii apresentou versões em jazz e rock de canções como Boom Bap, Denial Is A River, Catfish e Nissan Altima, produzindo uma apresentação inesquecível com 23 minutos de duração perfeitamente executados.
Traduzido como mordidas de jacaré nunca se curam, a mixtape úmida, quente e lamacenta foi lançada no final de agosto com apenas um mês de produção e recebeu três indicações ao Grammy 2025. Muito diferente de um álbum, a artista escolheu o formato de mixtape porque queria um pouco mais de liberdade na criação.
“O jacaré realiza uma manobra giratória conhecida como death roll (giro mortal) para submergir e desmembrar sua presa debaixo d’água. No ano passado, lutei com o que parecia ser um death roll implacável na minha vida. Uma dança de afogamento em meus próprios vícios, lutando contra diferenças com minha gravadora e uma dormência criativa que me quebrou.” Doechii via Instagram (@doechii)

A obra nasceu de uma abordagem criativa de Doechii, que conseguiu, em um mês, dar à luz a um projeto de estreia com criatividade e pura presença artística. Cada faixa conta algo sobre a trajetória da cantora, e por mais que possua linhas pesadas, junto a uma mente hábil, o projeto é abordado por Doechii como uma verdadeira “sessão de terapia”, em que ela traz algo íntimo como tema principal: os medos, vícios e sonhos enquanto ela caminha para se tornar quem sempre soube que seria.
Alligator Bites Never Heal simboliza o processo de cura e renascimento de Doechii, sendo lido como uma verdadeira jornada emocional documentada em 19 faixas, que vão do boom bap ao soul, imersas em uma atmosfera criativa de letras agressivas e brilhantes.
Boiled Peanuts, terceira faixa do álbum, aborda temas como identidade, liberdade e a dualidade da vida, combinando momentos de alegria com reflexões sobre pressões externas, como as exigências da indústria musical.
Já Boom Bap, serve como um tipo de homenagem ao rap clássico. Em diversas entrevistas, a cantora citou o rapper MF Doom, considerado uma referência na cena, como referência e falou sobre a importância de manter as tradições do hip hop, se estendendo em conversas acerca de sentimentos e vulnerabilidade. A música possui um significado profundo, que gira em torno da dualidade entre prestar respeito às raízes e à cultura do rap enquanto se redefine o que o gênero pode se tornar no presente e no futuro.
“Há importância na tradição. Eu sinto que é importante para nós mantermos o coração do Hip-Hop, que é composição lírica, é habilidade, é sagacidade, mas também é falar sobre nossos sentimentos, ser honesta sobre o que estamos passando e nos conectar como pessoas” - Doechii para Apple Music.
Na primeira quinta-feira deste mês (02), nasceu o videoclipe de Denial Is a River, já considerado um dos melhores de 2025, com 12 milhões de views no canal oficial da cantora. Dirigido por James Mackel e Carlos Acosta, o clipe apresenta o cenário clássico de sitcoms negras dos EUA, em que a rapper surge como a estrela principal da sua própria série, junto a participações especiais dos comediantes Zack Fox e Rickey Thompson, assim como dos artistas ScHoolboy Q e Sir.
O nome da música faz referência a frase denial (the Nile) is a river in Egypt, dita pela apresentadora de televisão, Wendy Williams, que logo se tornou uma expressão popular sobre não ficar em negação e aceitar a realidade das coisas. A canção reflete sobre como evitamos enfrentar a verdade, mascarando-a através de desculpas e ilusões.
Nomeada como the hardest out (“a mais fodona”) por Kendrick Lamar, é inevitável falar de Doechii sem batermos o martelo em uma certeza: ela é uma das maiores promessas da música em 2025, transcendendo gerações do rap com suas linhas. Com promessas de um novo álbum ainda este ano, a rapper, em entrevista à revista Variety, prometeu que um LP de apresentação tem data de lançamento:
“Tudo o que consigo pensar é neste álbum, então estou ansiosa para fazer mais sucessos, fazer mais música e atingir mais dos meus objetivos” - Doechii para a Variety.
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