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América real, Minas urbana: o novo disco de Lagum

  • Maria Luiza Albuquerque
  • 2 de set.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 4 de set.

capa lagum as cores as curvas e as dores do mundo

Foto: Breno Galtier


Depois de dois anos do último lançamento, o disco Depois do Fim, considerado por muitos, o trabalho mais introspectivo e visceral da banda mineira Lagum, agora eles se concentram em um novo momento: As Cores, As Curvas e As Dores do Mundo, lançado em maio de 2025.


Esse novo projeto marca o momento especial do retorno dos integrantes às suas singularidades coletivas, a partir do reencontro com um projeto independente, o segundo feito sem uma gravadora —sendo o primeiro, Seja O Que Eu Quiser, disco estreante da banda, lançado há quase uma década, em 2016.


Em entrevista à Revista Guilhotina, o grupo nos conta um pouco sobre o amadurecimento da banda, as referências para fazer o disco e a turnê nova que está rodando o Brasil.


“A gente volta a ser uma banda independente nesse momento. Tivemos o nosso primeiro disco, o Seja O Que Eu Quiser, que foi lançado de maneira independente, e, de resto, nós estávamos na gravadora. Então, é o primeiro disco da nossa volta à independência, que também traz uma liberdade semelhante no quesito de como a gente vai lançar, como queremos fazer o marketing, qual a prioridade de investimentos que queremos fazer… Isso nos aproxima e faz uma grande diferença no grupo. Nós estamos ocupando uma função extra-música cada vez maior agora, além do fato de podermos nos encontrar mais - não só pra fazer músicas, mas pra nos reunirmos e estarmos mais juntos.” - Pedro Calais, vocalista do Lagum.

lagum as cores as curvas e as dores do mundo

Foto: Breno Galtier


Entre a pancada da vida real e o suspiro de um sonho autoral, o verso “quero a paz de estar em paz”, da faixa que abre o disco, Eterno Agora, tem o sabor do instante e uma pergunta ensurdecedora: como se sentir inteiro no agora?


Esse trecho funciona como um portal sensível que nos transporta diretamente à alma do álbum: um passeio visceral pelas sensações que pulsamos, mas não nomeamos. Como tudo o que a banda mineira fez até hoje, carrega as intimidades e emoções da juventude, e é onde o poder do álbum se revela e se diferencia, com uma leveza e clareza irreverente do que nos habita, nos desafia, nos reúne.


“Eu acho que, de forma prática, a primeira música que eu recomendaria seria, justamente, a primeira do álbum: Eterno Agora. Eu acho que ela é uma música que contempla várias coisas do que já fomos e do que é o Lagum hoje. Ela estende um braço pro ouvinte, e convida a pessoa a mostrar as fases do lagum em uma música só. Acredito que ela tenha musicalidade, som de banda, e tanto os elementos que correspondem com a gente no passado quanto os que amadureceram com a gente em conjunto. É uma música que cria contexto e que convida pro resto do álbum.” - Chico, baixista da banda.

Ao ouvir a discografia da banda, a brasilidade é encontrada por diversos momentos de maneira significativa, e especialmente um toque de Minas Gerais. Lagum constrói este disco como se fosse um pequeno baú de memórias. Gravado no recém-criado Estúdio Ilhota, localizado no coração de Belo Horizonte, o trabalho marca a novidade do ser e a independência. Aqui, a cidade não é apenas cenário: é personagem, metáfora, pulsa narrativa.



Como conta Pedro: ""Esse momento casa super bem com o nosso próprio estúdio, da gente fazer as coisas da nossa maneira, e ainda mais conectados, né? Ter esse lugar impacta o tempo sem cobranças - como ficar até mais tarde ou chegar mais cedo. Poder gastar o tempo que quiser deu uma diferença grande pros testes que a gente veio a fazer. Algumas músicas tiveram várias versões, então o estúdio deu esse espaço pra a gente. Antes, tínhamos um escritoriozinho de 30m² para fazer as reuniões e coisas do trabalho. Hoje a gente vê que, às vezes, chegava a ser infernal. Não tínhamos escape e nem arte - só parede branca e mesa. Agora, com o estúdio, temos um ambiente muito mais saudável para vivermos como grupo. Nós estamos em um clima bem mais leve.”


A banda sempre propôs a dualidade do som entre as faixas e as turnês; No entremeio de melodias, o ritmo dos shows sempre se impôs de maneira mais expressiva, mais visceral. Isso porque há uma especialidade entre o que é corpo e o que é alma. Com músicas como Ninguém Me Ensinou, Habite-se e A Cidade, o grupo entrega a possibilidade da jovialidade se reafirmar em si própria à plenos pulmões e o batuque dos instrumentos tão altos que parecem estar dentro de quem os vê. Em contraponto, as canções Ponto de Vista e As Desvantagens de Amar Alguém Que Mora Longe oferecem uma introspecção dentro dos fones de ouvido e das próprias questões.


Ainda sobre isso, Chico concorda que o disco é mais cru e coletivo. Para ele, “essa percepção é muito correta [...] Isso acabou nem sendo algo pensado por nós... Aconteceu de forma muito natural, da gente dar uma envenenada e jogar pra cima ali no show, e foi justamente essa percepção nossa que desencadeou a gravação do nosso projeto, o Lagum - Ao Vivo, que foi um projeto justamente pros fãs, que conhecem só a banda em estúdio, entenderem um pouco do que que é o Lagum no palco. Acho que temos um processo que a música diz primeiramente se ela vai para o show ou não, onde vamos tendo essa oportunidade a partir de percepções no próprio ensaio. As músicas vão ser mais cruas num primeiro momento, na primeira tocada. E, em alguns momentos, vamos perceber que vai ser legal jogar pra cima, colocar um drum and bass, uma parada e curtir esse momento. É uma fase muito legal, porque dá a oportunidade da música viver o formato que ela quer no ao vivo. Acho que a soma de nós quatro ali no estúdio com a tocada e a bagagem que cada um tem resulta no que a música vira no ao vivo, sabe? A nossa veia natural não costuma deixar as coisas onde elas ficam no álbum, isso eu posso te falar.”


Agora mais maduros, Pedro, Chico, Zani e Jorge se permitem explorar outros ritmos com a permeabilidade de quem se reconhece como inédito e se reafirma como solução. Nesse novo disco, eles buscam até mesmo nas temáticas mais comuns, a indivisibilidade do meio e a apresentação do todo. Vagarosa Manhã, por exemplo, chega aos ouvidos como um sussurro de uma manhã tão íntima que parece invasão escutá-la. Isso porque, aqui, os sons são mais leves e acústicos, voltando à introspecção e o interior que é abarcado com mais profundidade no disco anterior, o Depois do Fim.

 

Quando perguntados sobre a música mais difícil do projeto, Pedro responde prontamente A Cidade:


“Foi a mais difícil de produzir, pelo esmero que a gente tava tendo com ela, sabe? De achar que ela poderia ser uma canção muito forte e que poderia ser um single. Eu senti dificuldade em soltar ela, mas por puro preciosismo... Ela já tava boa desde o início, e eu fui segurando, postergando. Fui eu que compliquei ela toda! Desculpa aí, meus companheiros de banda", conta Pedro.

 

O disco conta com apenas um feat, que amarra a urbanidade e a pressa de maneira singular. A cantora paulista, Céu, é quem encanta a canção Tô de Olho, e não poderia ter sido melhor escolha. A suavidade em sua voz traz o puro carinho da música, o toque elegante de feminilidade que contrasta com os vocais de Pedro Calais e o instrumental carregado em um reggae melódico.

 

Qual convite vocês fariam para quem escuta o álbum?


Jorge: “O meu convite é um pouco diferente. Tem uma hora que eu iria falar: escute A Cidade, nosso single; e teria outra que eu diria: escute Tô de Olho, que é minha preferida... Mas acho que o melhor convite que a gente pode fazer pra galera nesse momento é realmente escutar o álbum de ‘cabo a rabo’, sabe? Não é que seja uma história, mas são várias vibes ali dentro que, quando elas ficam combinadas na ordem que estão, passam uma coisa bem legal.”


lagum breno galtier
Foto: Breno Galtier

Antes de lançar o 5° álbum de estúdio, os amigos decidiram se encontrar longe das redes sociais e da ansiedade internética. Em um vídeo austero, publicado no Instagram da banda, logo após arquivarem todas as fotos do feed, eles decidem mostrar uma prévia da canção que viria a ser a encantadora As Desvantagens de Amar Alguém Que Mora Longe junto ao anúncio de um “até logo”, que se tornou um mês de sumiço das redes, tanto da banda quanto dos integrantes. Esse sumiço representa, de certa forma, um renovo do que é a Lagum e uma tentativa de intervenção criativa longe das pressões que a mídia causa e as comparações no mundo musical.

 

A banda conta a importância de se desapegar um pouco das redes nesse momento de processo criativo e como esse ato de contravenção aproxima-os uns dos outros:


Pedro: “Quem dera fosse assim... Por mais que a gente se proponha a desligar um pouco, as redes sociais são um pilar para a nossa divulgação, pro nosso trabalho, pra fazer show. A gente precisa se reinventar de uma maneira que as pessoas não se cansem da nossa comunicação, além de coisas básicas, como avisar o lançamento do disco. Isso de ser interessante o tempo todo acaba sendo muito difícil, sabe?”

 

Zani: “Acho que são momentos diferentes, o momento de parar pra descansar do momento de parar pra fazer um álbum. Fazer um disco realmente exige dessa maior atenção e acho que isso reflete muito no produto final, mesmo. Em Depois do Fim, a gente estava recluso no meio do mato e, nesse disco, ficamos reclusos no meio da cidade. Então é sobre não dormir em casa, ir pro estúdio... Acaba que é natural se guardar pra fazer um álbum mas é um momento de muito trabalho também, sabe? E enfrentamos um pouco desse lance de termos que produzir conteúdos enquanto estávamos gravando o álbum e fica muito mais caótico. É muito difícil se desvencilhar das redes e do ser interessante o tempo todo, mas, no fim, eu acho que essa reclusão é super importante pra a produção.”

 

Há algo de fim de tarde eterna nesse disco, como se Lagum tivesse conseguido gravar a luz dourada que atravessa as pálpebras fechadas no banco de trás de um carro. Cada faixa soa como se tivesse sido escrita depois de um banho de mar e antes de um choro contido — esse espaço frágil onde tudo é possível, tudo é sensível, tudo ainda não terminou. É um álbum que pulsa no ritmo de mensagens não enviadas, de vontades sussurradas na varanda, de amores que ainda doem, mas já não sangram. As guitarras parecem molhadas de suor e sal, os vocais têm o timbre de quem aprendeu a sorrir enquanto despede. Lembra Linklater no seu melhor: quando a conversa é simples, mas o tempo pesa. Ou a juventude desbotada dos filmes de Xavier Dolan, onde a dor é estética e o afeto tem trilha sonora própria. É um disco que não busca resposta, ele só quer te fazer lembrar que um dia você também sentiu assim: tão colorido, tão vivo, que doía.

 

Entre um Skank mais solar, um sentimentalismo Los Hermanístico e uma MTV que já não mais existe, Lagum permeia entre o meio e a mensagem em um disco que entende que sentir é, também, performar. Que entre as curvas da estrada e as curvas do corpo, a voz sempre encontra um bom enquadramento. Se houvesse uma câmera, talvez filmasse algo entre o retrato de juventude e a maturidade do que já passou.

 

Quais foram as maiores referências na produção do álbum?


Zani: “A gente é um consumidor de tudo também, sabe? No mundo de hoje, das playlists, o modo de consumo se aproxima desse lance mais eclético e isso é super natural das nossas referências. Nas minhas músicas curtidas aqui, tipo, cada coisa é uma coisa nada a ver com a outra, sabe? Então, pra mim, é muito difícil apontar uma referência, porque muito desse álbum veio como uma descoberta. E acho que, trabalhando junto com o Paul Ralphes, que é um cara que tem referência infinita, acabou influenciando no disco de uma maneira muito legal. Tem de tudo! Pra mim, tem muito de Curumim (Djavan), tem uns rock n' roll ‘véio’ que eu gosto; O solo de Baby Blue, por exemplo, eu iria de um encontro de Chet Faker com David Gilmour, sabe assim? Umas coisas nada a ver, mas que, na minha cabeça, estão nesse caminho. Então cada um traz das suas ouvidas e das referências pro álbum.”

 

Se há algo que Lagum sempre soube cultivar é o gesto de proximidade. Mas aqui, essa intimidade é atravessada por uma gravidade diferente: menos festa, mais confissão. O disco soa como a tentativa de capturar a multiplicidade do existir em um único sopro, como num mosaico de melodias que se chocam entre o desejo de dançar e a vontade de chorar em silêncio no quarto. Cada canção parece pedir passagem, como quem diz: “é assim que a vida nos atravessa, e não existe moldura possível para segurar isso tudo”.

 

Com o disco, o grupo passa por mais de trinta cidades brasileiras, além de atingir os solos internacionais. É em cima do palco que todas essas canções são ainda mais validadas pelo público, onde se celebram as transformações e o lançamento do disco. Para finalizar, os integrantes descrevem o sentimento que querem que o público sinta ao saírem dos shows:

 

Zani: “A sensação de quando acende a luz, sabe? Do tipo: ‘Meu Deus, o que aconteceu aqui? Eu tava aproveitando e nem tava vendo. Acabou muito rápido e passa muito rápido, porque eu tava curtindo.’ E acho que esse lance de cantar junto, né? Nós temos um público muito quente no nosso show. A galera canta todas as músicas e canta alto, então acho que só disso de todo mundo prestando atenção e vivendo o show, já é muito."

 

Pedro: "Eu gosto da sensação do "tá pago" de academia, sabe? Que a pessoa saia do show e diga ‘só preciso de um whey protein."

 

Jorge: “Acho que algo meio de ‘Nóó, que que eu acabei de ver? Que que foi isso? Me amassou!’


O que se escuta, então, não é um manifesto definitivo, nem um ponto final. É mais como um retrato em movimento, de quatro músicos tentando traduzir a experiência comum de viver num tempo em que nada é linear, em que tudo se curva, se mancha, se parte. No fim, talvez seja esse o maior feito do disco: não nos poupa, mas também não nos deixa sozinhos.

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